sábado, 18 de dezembro de 2010

Nem tudo vem em pacote TOMO I

Mais uma da séria série: Existe vida inteligente no trasporte público?


Embarquei na Estação Mercado, e depois de uns empurrões e cotovelaços em mulheres e crianças na porta do trem, consegui sentar-me entre um cão-guia e uma bicicleta. Saquei da mochila meu textinho sobre simulacros, cultura de consumo e, tal e coisa. Antes mesmo de o trem partir, uma senhorita com uma dezena sacolas de lojas finas em mão, me aperta entre o cão-guia e a bicicleta. Seus olhos cansados fitavam-me e diziam:
- Olha moço, estou cansada, cheia de sacolas, deixa-me sentar.
E o meu olhar egoísta respondia:
- Azar o seu!
Mas sabia eu, que meu egoísmo não duraria muito tempo se ela continuasse a olhar-me daquela forma. Pensei: - Porque ela não olha pro cachorro, ora bolas? Ele é quem deveria ficar em pé, afinal de contas ele não pagou o bilhete. Mas ela só via a mim.
Eu tinha que achar uma maneira de ficar sentado, sem morrer seco por essa moça, afinal, eu também estava cansado e minha viagem era longa. O trem partiu da estação inicial e meu olhar se dividia entre o texto sobre não-lugares e o lugar onde eu estava. Olhando o balançar das sacolas de pacotes, lembrei da canção que dizia "nem tudo vem em pacote..." e... Eureca!! Era o consumismo da senhorita das sacolas me dando a solução.
Imediatamente peguei o mp3 coloquei os fones no ouvido, encostei a cabeça na janela, fechei os olhos, e pronto: Agora não há mais ninguém de pé me olhando!
Uma estação depois, entra uma dúzia de senhoras oriundas da de um culto evangélico, e numa breve espiadinha para ver a quantas andava o trem superlotado, o Semancol 350mg fez efeito e eu cedi o lugar para uma das senhoras. Fiquei entre a bicicleta e as sacolas, e louco da vida porque o cachorro não fez nenhuma menção de se levantar.
As ideias não surgem em escala industrial - Dizia à canção que embalava-me em minha viagem.
Estava eu ali, apertado entre proletários sul-riograndenses, voando alto, rumo ao infinito, no balancê de meus devaneios entre as minhas idas e vindas.
Enquanto a Estação de Meu Bem não chegava, a canção continuava "...nem tudo que é verde é 100% natural..."

Nisso, surge-me lembranças dos campos de algodão e dos amigos que lá deixara. A saudade batia no peito na mesma intensidade em que Netinho de Paula batia na mulher. Forte. Beeem forte. Lembrava-me dos saudosos amigos e das nossas conversas sobre a vida, o universo e tudo mais. Nós nas esquinas do mundo, de copos cheios, cheios de ideias amassadas assim como nossos cabelos. A idade nos dava uma pá de incertezas, mas em nossos sorrisos havia a marca da certeza de que nem em outra lua a nossa amizade seria menor. Caminhando, cantando, e seguindo o irmão era o lema, porque não havia a necessidade de saber para onde se ia, desde que fossemos juntos.

No trem, as mesmas conversas: "Estou procurando emprego em Porto Alegre..." "Tirei 0,3 na prova de cálculo II..." "Comi um rizoto hoje, guria..." "O Matheus me deixou..." E a canção dizia Nem toda separação é fatal.
No autofalante do trem, aquele som mais abafado que grito de surdo dizia: Estação Canoas

Ah! Em quantas canoas furadas naufragamos!? – Várias. Mas sabíamos todos nós, que a culpa estava nas ilusões. Eram muitas. Havia tantos sonhos compartilhados, que volta e meia dava tilt. E meia volta depois estávamos todos prontos pra outra. E entre uma ensolação e um churrio, o consolo: Era apenas um efeito colateral de nossa insistência por um lugar ao sol.
Enquanto meu lugar ao sol não se apresenta, me contentaria muito com um lugar para sentar.

Notava, que o cachorro andava meio impaciente, dando sinais de que a estação de destino do seu amigo se aproximava. Era minha chance. Nem tudo vem em pacote, nem tudo vem pronto pra usar... Seguia a canção na hora em que meu telefone se manifesta. Desesperado para atender o telefonema de minha doce amada, que me aguarda no final de minha viagem, perco a chance de sentar-me no lugar desocupado pelo cão.
Putaquiejhgdutfbvgapariu! – Não rolou!

...
Nada vem de graça é preciso trabalhar...
E trabalhávamos. Como trabalhavamos. Era o Q de responsabilidade que nos cercava, em meio a tanta irresponsabilidade inerente à idade. Noites e mais noites dividindo sonhos, histórias, promessas e Doritos. E no outro dia, tinha "mãe ficando doente", cachorro comendo as chaves do carro. Tinha quem "pegava gripe", quem que jurava que não havia feito nada durante a noite toda. "Cheguei em casa ontem e dormi às 22h!"
Aham...
Tinha de tudo.

Mas eramos muito responsáveis. Sempre lutávamos para não sair de casa. Antes da banda, tinha sempre a aquele... Momento Docinho, antes de sair:
- Bah meu! Não posso sair hoje, amanhã tenho que trabalhar!
- Ah! Qualé a tua? Minhoca! Vai te emburacar? Todo mundo trabalha, bixo!
- Vai deixar teus amigos na mão?
- Não, Jamais!

Era o espírito colaborativo. Era o coleguismo e nossas "forças produtivas".


... Continua...

2 comentários:

  1. Oi Giga!! Passei pra te deixar boas ferias, e um ótimo fim de ano. VocÊ escreve muito bem! devia pegar seus escritos e publicar! eu compraria ^^ e iria na sessão de autógrafos ;). bjim, meu amigo!

    ResponderExcluir
  2. Me caíram as lágrimas de tanta nostalgia!
    Parabéns micrinho!!!
    Grande texto!!!!!

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...